CAPÍTULO 3/6
Estamos entalados!... Enterrados até ao pescoço!...
Estamos entalados!... Enterrados até ao pescoço!...
Sim, os alunos encostaram-se à parede. Não me lembro bem se a colega Ana Aranha também. Provavelmente sim, para lhes manifestar algum apoio e aconchego naquela situação confrangedora, aflitiva… assustadora!
Eu cheguei-me para trás o mais que pude, no lado oposto aos alunos, que, sim senhor!, se puseram ali mesmo alinhadinhos uns ao lado dos outros, bem encostadinhos à parede. Não era bem uma parede, era um muro baixo. Melhor assim, era menos ameaçador. Achei prudente não dizer nada, esperar o desenrolar dos acontecimentos e tentar intervir quando me parecesse conveniente fazê-lo. Tentei que o condutor me olhasse e percebesse que eu estava ali para ser solidário com ele.
O capitão comandante daquela brigada distribuía ordens. A um gê-éne-érre mandou que contasse os alunos, a outro mandou que verificasse os documentos do condutor e da carrinha. Ao condutor, ao nosso herói, apontou o chão onde devia ter os pés quando apresentasse os documentos. A seguir deu dois ou três passos para um lado, e outros iguais em sentido contrário. Parecia que pensava o que iria fazer a seguir. Virou-se bruscamente para o carro policial, estugou o passo e foi direito à bagageira. Abriu-a, pareceu-me que procurava alguma coisa (ele estava de costas para mim). Acabou por recuperar a postura vertical, trazia um livro nas mãos. Folheou-o para trás e para a frente como se folheiam os livros em que se procura alguma coisa que se sabe que está lá, mas não se sabe exatamente onde. A certa altura percebi que tinha encontrado o que queria. Projetou o peito bem para a frente (a mim parecia-me que havia algum exagero nas suas posturas, mas, enfim, era ele que ali tinha capacidade para julgar e tomar decisões, não eu; a mim, o que cabia era tentar ser o mais apaziguador possível, o oficial da GNR estava mesmo FURIOSO!), marcou a página com um dedo enfiado no livro e encaminhou-se para mim.
Enquanto ele esteva junto a bagageira do carro, o agente acabou a contagem dos alunos encostados à parede. Virou-se para o seu oficial e, sem sair do sítio onde estava, gritou: “São trinta, meu comandante!...”
Interiormente, eu corrigi: “Trinta, não! São 29, vínhamos dois na cabine.”
Praticamente ao meu lado estava o outro agente, o qual, assim que ouviu o colega, se virou para mim e foi dizendo: “Ui!... 30!... Tantos!... O senhor professor sabe, ainda na semana passada tivemos um problema assim… Apanhámos um condutor com uma carrinha como esta e levava só uma cabeça, era uma vaca, lá em cima, só uma vaca!... Os senhores são trinta, já viu?... O nosso comandante, com uma só, não perdoou, agora com trinta!... Está a ver, não está?...”
Sinceramente, achei piada àquela comparação entre a “só uma vaca” e o “agora, vocês são trinta”, “uma cabeça”, trinta “cabeças”, mas a situação era demasiada séria para que me risse ou devolvesse qualquer piada. Limitei-me a esboçar um breve sorriso e dizer-lhe: “Sabe, são alunos em férias, de longe, da cidade grande, não sabem como é campo, tem uma imagem que aqui tudo é calmo, seguro… estão a fazer a sua aprendizagem, estas experiências fazem-lhes bem.” Eu estava a dizer-lhe aquilo, mas tinha claramente consciência de que a conversa que valia era a que eu viesse a fazer com o comandante, esta conversa agora era uma espécie de treino para me ouvir a mim próprio.
Eu tinha tentado estar sempre com um olho em cima do comandante e dos seus movimentos. Ele vinha, então, agora, na minha direção. O agente deu um passo atrás, a sair de cena, e o comandante chegou-se a mim. Continuava a falar de forma rija, continuava furioso. Apontou-me um articulado qualquer no calhamaço que tinha em mãos, e foi-me dizendo: “O senhor professor está a ver? (Eu não sabia sequer para onde olhar! Claro que não estava a ver nada! Eu só pensava por onde poderia começar a amaciar esta fúria.) Olhe aqui: até ao mês passado a multa era de mil escudos por cabeça, agora são cinco mil. O senhor professor está a ver quanto dá?... Já fez as contas?... Sim, mentalmente eu já tinha feito as contas… a vinte e nove (não a trinta)… cabeças! Quase cento e cinquenta contos!
Nesta altura, o agente que se ocupava do condutor chamou o comandante. Boa! Dava-me tempo para pensar… O motorista afastou-se dos dois polícias e foi à carrinha, mas fez um pequeno desvio na minha direção e disse-me, bastante abatido: Olhe, isto está mal para o meu lado, não tenho os meus documentos comigo e também não tenho os da carrinha, vou à carrinha ver se eles estão lá. O senhor arranje maneira de se ir embora com os seus alunos, não se preocupe, eu trato disto, eu pago tudo. A sério, vão-se embora, pode ser que a gente depois fale.
Eu, se não esbugalhei os olhos nesta altura, pouco deve ter faltado. Mesmo assim, tive clareza de raciocínio para lhe dizer: “Calma, homem, essas coisas acontecem, também não são assim um crime tão horrível! O senhor não vai pagar nada, pelo menos sem eu tentar. Deixe-me falar com o comandante, deixe-me tentar acalmá-lo. E, é claro, não vou deixá-lo aqui sozinho, a gente há de arranjar uma solução… Deixe-me pensar… Olhe, se calhar, não ter os documentos até pode dar jeito. Mantenha a conversa que me disse na carrinha quando os viu, e deixe-me ser eu a falar. Somos capazes de ter por aqui uma saída, é bom que não encontre os documentos da carrinha!” O condutor herói (e desgraçado!) olhou para mim sem perceber onde é que eu queria chegar. Acabou por me dizer: “Está bem, eu mantenho a conversa, mas vou procurar os documentos e se os encontrar entrego-os ao comandante”. “O senhor faça o que para si achar melhor”, respondi-lhe. Mas fiquei a desejar que ele não encontrasse os documentos. Foi à carrinha, procurou… procurou… nada! Fechou a porta da carrinha, olhou para mim, acenou-me que não com a cabeça (Ele não os encontrou mesmo!) e foi ter com o comandante e o agente da GNR. Depois de lhes dizer qualquer coisa, viraram-se os três para mim e vieram ter comigo, o comandante à frente. O outro guarda também, como se não quisesse perder nada da conversa. Parecia, pelo menos, que a rapaziada tinha deixado de ser preocupação para eles.
“Vem anunciar-me o veredito…”, pensei eu. “Será que me deixa falar? Tenho de lhe dizer qualquer coisa…” Havia um calcanhar de Aquiles no comportamento dos polícias, um ponto censurável nos seus procedimentos, nas ordens que deram. Lembro-me perfeitamente de ter pensado, nesta altura, que tinha de tocar neste ponto… se o comandante me desse hipótese para isso!... Eu não sabia o que vinha ali naqueles passos firmes, cada vez mais perto de mim.
(Continua... Capítulo 4: Agora é que vai ser o delas!... Que hipóteses é que a gente tem?...)
ATENÇÃO! LEIAM O PRIMEIRO COMENTÁRIO DESTE APONTAMENTO!
1 comentário:
Pessoal, era giro que não se limitassem a ler os capítulos desta saga. Percam um minuto, ou mesmo cinco, a deixarem, na forma de comentário, um registo das vossas lembranças desta... aventura! Já viram o livrinho que o relato desta ocorrência poderá dar? Um livrinho editado pela Eça, de autoria coletiva! Seria a primeira vez! Vá, força nesse teclado, a acrescentar memória!
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