sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

A saga dos “TODOS ENCOSTADOS À PAREDE, JÁ!...” - capítulo 4/6

CAPÍTULO 4/6
Agora é que vai ser o delas!... Que hipóteses é que a gente tem?...

- Muito bem, o que é que o senhor professor tem a dizer disto tudo?, perguntou-me, assim de rajada, o comandante da GNR, com as mãos juntas atrás das costas, olhar duro, bem apontado aos meus olhos; a voz, claramente ele esforçava-se por ser intimadora.
Ups!... Olá!... Na verdade, se eu não estava a ver mal aquele filme, o comandante da GNR estava a dar-me uma chance!... Abrir a conversa assim comigo, no meu entender, mesmo que ele quisesse parecer duro e intimidador, significava que ele estava na disposição de “regular” a pena e as multas. Quem quisesse simplesmente servir-se da aplicação estrita da lei e dos regulamentos não falaria assim… Era a minha oportunidade! Teria de ser capaz de ter bom-senso e argumentos seguros, “mansos”, convincentes. Eu tinha de conseguir entrar diplomaticamente e simpaticamente pela porta que ele me estava a abrir.
É evidente que, a estes anos de distância, não me lembro do que disse, quais as palavras que usei exatamente. Tenho ideia da sequência dos argumentos. Por isso, o que a seguir vou dizer é simplesmente uma re-elaboração esforçada do que disse, na tensa tentativa de safar a malta; até de safar o nosso heróico condutor.
- Ai, senhor Comandante, o que quer o senhor que eu lhe diga… há poucos minutos estávamos todos bem contentes e alegres e agora ainda estou a tentar perceber o que é que nos aconteceu realmente… não sei mesmo que lhe diga… [Eu sabia que não podia fazer muitas pausas, tinha de manter a iniciativa na conversa; o oficial da GNR, que já tinha dado mostras de que estaria disposto a ouvir-me, ficaria seguramente mais calmo se menos falasse. Se ele fosse obrigado, por causa do meu silêncio, a falar, teria de assumir outra vez o papel de polícia duro (ou firme) e as palavras rijas que dissesse reacenderiam as emoções rijas que rapidamente levariam a um castigo exemplar] É claro que nós temos ideia do perigo que é andar em cima de viaturas deste tipo, mas, sabe como é, somos muitos, estamos longe da nossa cidade, sentimo-nos seguros nestes ambientes tão acolhedores [Havia que acentuar a perceção das emoções positivas…], sentíamo-nos aqui tão bem… e, senhor Comandante, um quilómetro em cima de um veículo destes, a esta hora, sem trânsito nenhum, uma coisa de minuto e meio, dois minutos… está a ver, não nos pareceu que o risco fosse muito grande… É claro que não está em causa a legalidade ou ilegalidade do nosso comportamento, quem sou eu para discutir isso com o senhor, mas demos mais ouvidos ao entusiasmo dos miúdos, eu conheço-os bem, ponho as mãos no fogo por eles, sei que são conscientes e cumpridores… Ó senhor Comandante, desculpe-me a pergunta, acha que se não fossem assim de confiança a gente se arriscava a trazer tantos alunos acompanhados por só um professor ou dois?...
- Mas este senhor não tem documentos, nem dele, nem da viatura, já viu a rabaldaria que isto é?... disse-me o capitão, interrompendo-me a defesa… da nossa pele!
Gostei desta interrupção! O senhor comandante da GNR estava implicitamente a dizer-me que não precisava de ouvir mais razões que asseguravam a nossa “bondade” e a nossa “ingénua boa-fé”. Saltava para outro ato objetivamente incorreto e condenável. Mas o que eu entendi foi qualquer coisa deste tipo: “Bem, assim safas-te e safas os teus. Agora, ajuda-me cá a safar este desgraçado que só quis ser porreiro para vocês, não tem nada a ganhar com isto…” Era o momento de pegar no trunfo que tinha inventado quando desejei que o condutor não encontrasse os documentos!
- Senhor comandante, permita-me que lhe diga, quer melhor prova da nossa boa fé? Deixe-me que lhe explique [O comandante da GNR franziu o sobrolho, fixou melhor os olhos em mim: “Sim, quero ouvir…”]: Este senhor é um profissional, sabe que leis tem de cumprir, sabe como deve ser um condutor cuidadoso, sabe quanto o seu bom comportamento na condução é fundamental para que possa exercer a sua profissão… Eu não acredito que se ele pensasse que a ajuda que nos deu fosse especialmente perigosa para nós e também para ele, por mais simpático que quisesse ser connosco, ele teria feito o que fez. Ele cruzou-se connosco ali mesmo atrás, e nós dissemos-lhe para onde queríamos ir. Ele disse-nos que não podia levar-nos lá [Pois… quem tiver poder para o fazer, que me perdoe esta mentira… mansa!, só para safar todos, até o nosso herói.], que ficava já ali à frente, nós é que insistimos e dissemos ao senhor que até isso nos dava jeito porque ainda tínhamos muito para andar. Está a ver, senhor Comandante, nós quase obrigámos o senhor condutor a aceitar!... [Olhei o condutor, que ouvia avidamente a minha conversa. Nesta altura ele deve ter percebido a minha conversa de há pouco porque sorriu e acenou afirmativamente com a cabeça.] E se ele andava sem documentos, confesso-lhe, senhor Comandante, que eu já fiz o mesmo, é assim quando a gente está num sítio, sei lá, em casa e precisa de sair, de ir só ali. A gente sai com a certeza de que é só mesmo ir ali e voltar, numa coisa de minuto, um minuto só mesmo!
Aqui me calei intencionalmente. Queria ver como o capitão da GNR ia reagir. Ele percebeu que eu lhe estava a dar a deixa. Finalmente, depois de uma breve pausa, disse: “O senhor professor fala muito bem… ou não fosse professor!... Mas o que aconteceu é muito grave!...”
Eu tinha pensado não pegar na situação pelo lado do calcanhar de Aquiles do procedimentos dos polícias de trânsito. Mas o comandante da GNR estava a recentrar a discussão nos atos em si. Mesmo que boamente. Agora, não sei se intencionalmente, se inadvertidamente, deu o flanco, expôs-se ao ataque ao ponto frágil. Aproveitie, passei ao ataque! Mansamente, claro!... A faca e o queijo ainda estavam nas mãos fardadas.
- Senhor Comandante, permita-me que lhe diga, não me interessa falar bem, isso sim, interessa-me educar bem, tenho estado a pensar como poderei tornar esta ocorrência numa boa situação de aprendizagem para estes meus alunos. Até conto consigo para o fazer! [Bem!... Ponho as mãos no fogo por que o senhor comandante não estava à espera desta, mas resolvi – foi mesmo naquele instante! – apostar na disponibilidade que ele tinha mostrado quando se abeirou de mim para esta conversa. Agora, sim, era a hora de jogar a cartada – ou estocada – final] Eu tenho a certeza de que eles todos, a esta hora, já perceberam porque é que os professores não podem ser sempre porreiros para os alunos, às vezes é mesmo para os proteger e, se calhar, foi aí que eu falhei, não os protegi desta situação que, se olharmos para eles, os marcou já bastante. Olhe para eles, senhor Comandante [Era agora!...], nunca eles pensariam que alguma vez, na vida deles, num momento de recreação de uma visita de estudo, no seu próprio País, alguém os mandasse encostar à parede… a sério, senhor Comandante!... [Ui!... Como iria reagir o ainda há pouco tão zangado oficial da polícia de trânsito?] Encostar à parede a sério, todos em fila, como ouviram falar nas aulas de História, na Segunda Guerra, na Guerra Civil de Espanha, no tempo da nossa PIDE… Sei que vou ter de me ocupar com eles uma hora ou duas para perceberem bem a diferença entre a transgressão em que incorreram e essas outras situações que conhecem das aulas e da televisão. [Continuo a pensar que haveria por ali uma arma a ser exibida perante os alunos, mas não posso garanti-lo. Mas, se me conheço bem, não sei se teria tido esta ideia, não sei se me teria vindo à ideia a imagem de um fuzilamento se não estivesse ali uma arma à vista, empunhada por um dos agentes policiais] E isto não tem nada a ver com a multa a que estão todos sujeitos, é a sua própria formação pessoal e social que está em causa. Eu falharei como educador se não vier a falar com eles sobre isto… E é aqui, senhor Comandante, que o senhor pode ajudar-me, gostava mesmo que lhes dissesse alguma coisa sobre o que se passou aqui.
Eu não queria “endrominar” o senhor capitão da GNR, mas queria sinceramente transformar este “crime” numa experiência de aprendizagem. O que tínhamos feito não tinha tido, felizmente, quaisquer consequências que prejudicassem fosse quem fosse.
O senhor oficial da GNR olhou para mim, estava visivelmente mais sereno. Penso que gostou que eu o tivesse puxado para o meu lado, para a função educativa, não simplesmente repressora da polícia. E terá percebido o "puxão de orelhas" que lhe dei. “Já lhe digo alguma coisa…”, disse-me ele.
Afastou-se um pouco, foi falar com o condutor. Percebi que estava a falar com ele sobre a apresentação dos documentos numa esquadra da região.
Voltou depois para ao pé de mim e mandou-me juntar os alunos todos. Ele ia comunicar-nos o que tinha decidido.

(Continua... Capítulo 5: As saudades que eu já tinha da minha alegre casinha... Mas... que é isto?... Fechados na rua, como o puto de Alves Redol?...)

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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A saga dos “TODOS ENCOSTADOS À PAREDE, JÁ!...” - capítulo 3/6

CAPÍTULO 3/6
Estamos entalados!... Enterrados até ao pescoço!...

            Sim, os alunos encostaram-se à parede. Não me lembro bem se a colega Ana Aranha também. Provavelmente sim, para lhes manifestar algum apoio e aconchego naquela situação confrangedora, aflitiva… assustadora!
            Eu cheguei-me para trás o mais que pude, no lado oposto aos alunos, que, sim senhor!, se puseram ali mesmo alinhadinhos uns ao lado dos outros, bem encostadinhos à parede. Não era bem uma parede, era um muro baixo. Melhor assim, era menos ameaçador. Achei prudente não dizer nada, esperar o desenrolar dos acontecimentos e tentar intervir quando me parecesse conveniente fazê-lo. Tentei que o condutor me olhasse e percebesse que eu estava ali para ser solidário com ele.
            O capitão comandante daquela brigada distribuía ordens. A um gê-éne-érre mandou que contasse os alunos, a outro mandou que verificasse os documentos do condutor e da carrinha. Ao condutor, ao nosso herói, apontou o chão onde devia ter os pés quando apresentasse os documentos. A seguir deu dois ou três passos para um lado, e outros iguais em sentido contrário. Parecia que pensava o que iria fazer a seguir. Virou-se bruscamente para o carro policial, estugou o passo e foi direito à bagageira. Abriu-a, pareceu-me que procurava alguma coisa (ele estava de costas para mim). Acabou por recuperar a postura vertical, trazia um livro nas mãos. Folheou-o para trás e para a frente como se folheiam os livros em que se procura alguma coisa que se sabe que está lá, mas não se sabe exatamente onde. A certa altura percebi que tinha encontrado o que queria. Projetou o peito bem para a frente (a mim parecia-me que havia algum exagero nas suas posturas, mas, enfim, era ele que ali tinha capacidade para julgar e tomar decisões, não eu; a mim, o que cabia era tentar ser o mais apaziguador possível, o oficial da GNR estava mesmo FURIOSO!), marcou a página com um dedo enfiado no livro e encaminhou-se para mim.
            Enquanto ele esteva junto a bagageira do carro, o agente acabou a contagem dos alunos encostados à parede. Virou-se para o seu oficial e, sem sair do sítio onde estava, gritou: “São trinta, meu comandante!...”
            Interiormente, eu corrigi: “Trinta, não! São 29, vínhamos dois na cabine.”
            Praticamente ao meu lado estava o outro agente, o qual, assim que ouviu o colega, se virou para mim e foi dizendo: “Ui!... 30!... Tantos!... O senhor professor sabe, ainda na semana passada tivemos um problema assim… Apanhámos um condutor com uma carrinha como esta e levava só uma cabeça, era uma vaca, lá em cima, só uma vaca!... Os senhores são trinta, já viu?... O nosso comandante, com uma só, não perdoou, agora com trinta!... Está a ver, não está?...”
            Sinceramente, achei piada àquela comparação entre a “só uma vaca” e o “agora, vocês são trinta”, “uma cabeça”, trinta “cabeças”, mas a situação era demasiada séria para que me risse ou devolvesse qualquer piada. Limitei-me a esboçar um breve sorriso e dizer-lhe: “Sabe, são alunos em férias, de longe, da cidade grande, não sabem como é campo, tem uma imagem que aqui tudo é calmo, seguro… estão a fazer a sua aprendizagem, estas experiências fazem-lhes bem.” Eu estava a dizer-lhe aquilo, mas tinha claramente consciência de que a conversa que valia era a que eu viesse a fazer com o comandante, esta conversa agora era uma espécie de treino para me ouvir a mim próprio.
            Eu tinha tentado estar sempre com um olho em cima do comandante e dos seus movimentos. Ele vinha, então, agora, na minha direção. O agente deu um passo atrás, a sair de cena, e o comandante chegou-se a mim. Continuava a falar de forma rija, continuava furioso. Apontou-me um articulado qualquer no calhamaço que tinha em mãos, e foi-me dizendo: “O senhor professor está a ver? (Eu não sabia sequer para onde olhar! Claro que não estava a ver nada! Eu só pensava por onde poderia começar a amaciar esta fúria.) Olhe aqui: até ao mês passado a multa era de mil escudos por cabeça, agora são cinco mil. O senhor professor está a ver quanto dá?... Já fez as contas?... Sim, mentalmente eu já tinha feito as contas… a vinte e nove (não a trinta)… cabeças! Quase cento e cinquenta contos!
            Nesta altura, o agente que se ocupava do condutor chamou o comandante. Boa! Dava-me tempo para pensar… O motorista afastou-se dos dois polícias e foi à carrinha, mas fez um pequeno desvio na minha direção e disse-me, bastante abatido: Olhe, isto está mal para o meu lado, não tenho os meus documentos comigo e também não tenho os da carrinha, vou à carrinha ver se eles estão lá. O senhor arranje maneira de se ir embora com os seus alunos, não se preocupe, eu trato disto, eu pago tudo. A sério, vão-se embora, pode ser que a gente depois fale.
            Eu, se não esbugalhei os olhos nesta altura, pouco deve ter faltado. Mesmo assim, tive clareza de raciocínio para lhe dizer: “Calma, homem, essas coisas acontecem, também não são assim um crime tão horrível! O senhor não vai pagar nada, pelo menos sem eu tentar. Deixe-me falar com o comandante, deixe-me tentar acalmá-lo. E, é claro, não vou deixá-lo aqui sozinho, a gente há de arranjar uma solução… Deixe-me pensar… Olhe, se calhar, não ter os documentos até pode dar jeito. Mantenha a conversa que me disse na carrinha quando os viu, e deixe-me ser eu a falar. Somos capazes de ter por aqui uma saída, é bom que não encontre os documentos da carrinha!” O condutor herói (e desgraçado!) olhou para mim sem perceber onde é que eu queria chegar. Acabou por me dizer: “Está bem, eu mantenho a conversa, mas vou procurar os documentos e se os encontrar entrego-os ao comandante”. “O senhor faça o que para si achar melhor”, respondi-lhe. Mas fiquei a desejar que ele não encontrasse os documentos.   Foi à carrinha, procurou… procurou… nada! Fechou a porta da carrinha, olhou para mim, acenou-me que não com a cabeça (Ele não os encontrou mesmo!) e foi ter com o comandante e o agente da GNR. Depois de lhes dizer qualquer coisa, viraram-se os três para mim e vieram ter comigo, o comandante à frente. O outro guarda também, como se não quisesse perder nada da conversa. Parecia, pelo menos, que a rapaziada tinha deixado de ser preocupação para eles.
            “Vem anunciar-me o veredito…”, pensei eu. “Será que me deixa falar? Tenho de lhe dizer qualquer coisa…” Havia um calcanhar de Aquiles no comportamento dos polícias, um ponto censurável nos seus procedimentos, nas ordens que deram. Lembro-me perfeitamente de ter pensado, nesta altura, que tinha de tocar neste ponto… se o comandante me desse hipótese para isso!... Eu não sabia o que vinha ali naqueles passos firmes, cada vez mais perto de mim.

(Continua... Capítulo 4: Agora é que vai ser o delas!... Que hipóteses é que a gente tem?...)

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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A saga dos “TODOS ENCOSTADOS À PAREDE, JÁ!...” - capítulo 2/6

CAPÍTULO 2/6
Chegámos à discoteca, mas a música foi outra...

            Não andámos muito, as coisas aconteceram como o nosso disponível condutor (o senhor, ou já tinha acabado o seu dia de trabalho, ou também estava a gostar da aventura, e por isso tinha-se tornado nosso companheiro… ou cúmplice. Fosse o que fosse, foi de uma ajuda preciosa para nós!) nos tinha antecipado: a discoteca, assim a andar sobre rodas (nesta altura, em sentido literal e em sentido metafórico tudo corria sobre rodas), era mesmo já ali. Era claramente fora da povoação, era preciso sair da estrada, percorrer uma pequena saída alcatroada, a discoteca ficava completamente rodeada de arvoredo. Isolada, como convém a casas onde se faz muito barulho, assim não se incomodam os vizinhos; e quem quiser coscuvilhar quem frequenta casas deste tipo tem de ir pôr os olhinhos ou o nariz lá mesmo em cima.
            Só que a discoteca estava fechada. Os alunos ainda aventaram a esperançosa hipótese de que a discoteca “ainda” não estivesse aberta, mas não tardaria a abrir. Alguns saltaram da carroçaria, chegaram-se à porta da discoteca, procuraram qualquer informação de horário, mas nada. Deram a volta a todo o edifício, tudo parecia fechado, demasiado fechado para o gosto deles. Parecia que estava fechada como estão fechadas as coisas que estão fora da época de funcionar.
            Dispôs-se a salvar-nos o nosso já quase heróico condutor: havia uma outra, mais ou menos a 20 quilómetros dali. “Tchi!... isso é muito p’ra nós!...” “Não é nada, reagiu ele. “Eu levo-vos lá, não me custa nada!...” Eu ainda quis recusar, nem que fosse por delicadeza, mas a rapaziada que estava ali à minha volta abafou-me a voz com gritos entusiastas de “Vamos!...” Pronto, meti a viola no saco, subi para a cabine, o pessoal voltou para a carroçaria, o motor da carrinha voltou a roncar. Era já noite cerrada. Não sei se estariam todos eufóricos, mas pela berraria, bem parecia que estavam. Todos.
            Na cabine da viatura, as duas dezenas de quilómetros pela frente abriam espaço para uma conversa mais longa, mais tranquila, mais de expansão do conhecimento pessoal de uns e outros. Por isso, distraídos em tal conversa, só quando já não nos era possível evitar o que a seguir ia acontecer – já tínhamos sido vistos por quem não convinha nada que nos tivesse visto naquela altura – é que o nosso heróico condutor…
            Ah!... Desculpem interromper o discurso, mas este dado é importante: o nosso simpático condutor já se tinha predisposto, em conversa (convincente) comigo a marcarmos uma hora para nos ir buscar à discoteca e pôr-nos de volta à pousada! O senhor era mesmo simpático, e nós estávamos a portar-nos de maneira a cair-lhe bem no goto.
            Voltando ao relato, dizia eu, o nosso condutor interrompeu abruptamente a conversa, agarrou-me o braço esquerdo (apercebi-me, pelo tipo de toque, que a mão dele estava muito nervosa) e disse-me quase entre dentes: “Diga-lhes que acabei de vos apanhar ali em [não me lembro já do nome que ele disse] para levá-los um quilómetro ali à frente.”
            Eu, poucos momentos antes da distraída conversa ter sido interrompida, já me tinha apercebido de alguns clarões regulares de luz que, pelo lado de trás da carrinha, se projetavam um pouco à nossa frente, mas, como disse, ia completamente absorto na conversa com o motorista.
            Assim que me apercebo da manobra de condução do nosso herói, que guinava à direita e desacelerava o veículo; e que, ao mesmo tempo, vejo as rotativas fontes dos clarões passarem à nossa frente, pelo lado do eixo da via, pois, meus caros amigos, nessa altura tomei tal consciência do que estava a acontecer. Mas não me enervei, mantive-me calmo, pensava que não se iria passar alguma coisa relevante.
            Sem sair do veículo policial, sempre em andamento lento, o gê-éne-érre “pendura” indicou ao nosso condutor para onde os deveria seguir. Era logo ali à frente, só deu tempo que ele, o nosso querido condutor, agora visivelmente nervoso, repetisse o que já me tinha dito e me dissesse que ele tratava de tudo.
            Alguém lá da carroçaria, debruçou-se pela janela do lado direito da nossa carrinha e perguntou o que se estava a passar. Não tive tempo de lhe responder. Entrando numa saída à nossa direita, a carrinha parou um pouco mais para dentro do que o carro da polícia. Um dos gê-éne-érres já tinha saído do carro e apontou o espaço onde o nosso herói deveria estacionar a carrinha. Logo a seguir, uma voz fardada, dura, foi-nos dos tímpanos ao fim da espinha num arrepio gélido e, como um relâmpago, chegou-nos finalmente à consciência:
            - Todos fora da carrinha!... Todos encostados à parede!... Já!...
            Nesta altura tomei consciência que estava metido num grande sarilho!...
            Tenho uma vaga ideia de que um dos guardas empunhava uma arma. Segura tenho eu a memória de me ter passado pela cabeça a imagem de um fuzilamento.
            Todos encostados à parede!... Já!...

(Continua... Capítulo 3: Estamos entalados!... Enterrados até ao pescoço!...)

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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

A saga dos “TODOS ENCOSTADOS À PAREDE, JÁ!...” - capítulo 1/6

Capítulo 1/6
É tudo um mar de rosas!...

Não sei se foi a minha primeira grande (grande porque me levou para bem longe da escola) visita de estudo na Eça de Queirós (penso que foi), logo no meu primeiro ano de trabalho lá, no ano letivo 1989/90.
“Danadas” para fazer estas coisas eram a professora Cristina Kirkby e a professora Edite Esteves; havia mais, claro, mas a mim “calharam-me” estas, dávamos aulas às mesmas turmas.
Destino final da viagem: Santiago de Compostela. Quartel montado em Vila Nova de Cerveira, na pousada de juventude, no tempo ainda em que as pousadas tinham pais e mães.
À noite, a malta, jovem, puxava-lhes o desejo para a discoteca. Os professores, ou melhor, as professoras, “cortavam-se”… mas condescendiam, era da tradição, pois então!
Solução: muito bem, os alunos poderiam ir à discoteca desde que fosse um professor com eles. Passando à escolha, quem foi o muito “democraticamente” votado?... Claro!, o professor mais “puto”, ele tinha de começar a habituar-se a essas coisas. E se eu negasse, isso pouco abonaria a meu favor. Pronto, está bem, só me restava aceitar.
E lá fomos. Se não estou em erro, 29 alunos e dois professores, a colega Ana Aranha (penso eu) [Ajudem-me, meninos, a clarificar esta e outras coisinhas!] e eu.
Azar! A discoteca da povoação estava fechada. Pedimos informações a quem passava por ali, e um dos alunos recolheu a informação, que logo passou ao resto do grupo, que dali a alguns minutos de caminho havia outra discoteca, que estaria aberta. Mas se até mesmo de carro eram mesmo "alguns" minutos, a pé seriam, com toda a certeza, muitos minutos! Que fazer?...
Habituado andava cá o "je" a desenrascar-se com grupos de jovens. Atravessava eu uma época especialmente intensa de atividades da associação juvenil que dirigia, os Traquinas da Boa Vida, com o espírito sempre cheio de muita coisa para fazer e também sem praticamente nada ter de recursos (sobretudo financeiros) para fazer o que queria. Enfim, tempos… “criativos”!
Boleia! Uma g’anda boleia era a solução! Era uma povoação de província, na estrada passavam veículos de transporte de média e grande dimensão… Era isso!... Polegar esquerdo bem espetado no ar, todos ali bem perto de mim, não tardou a aparecer um senhor bem simpático, ao volante de uma carrinha de caixa aberta. De tamanho ideal. Sim, era perto, passava lá. Teríamos era de ir todos na carroçaria, os senhores professores iriam na cabine, à frente.
Vá, dizia o condutor, tivessem cuidado lá atrás, era pouco tempo, ele iria devagar. A pé ainda era um bocadinho longe, mas de carro eram 5 minutos. Subiu toda a gente, o motor da carrinha roncou, o pessoal defendeu-se da perda da inércia quando o veículo se pôs em movimento irregularmente acelerado e… ala, que a discoteca está já ali à nossa espera!...
(Continua... Capítulo 2: Chegámos à discoteca, mas a música foi outra...)

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domingo, 29 de agosto de 2010

Uma escola que fecha mata uma aldeia ou acelera o inevitável?

Educação

Uma escola que fecha mata uma aldeia ou acelera o inevitável?

29.08.2010 - 10:27 Por Graça Barbosa Ribeiro, Natália Faria, jornal Público

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Apesar de não questionarem a necessidade do reordenamento da rede escolar, especialistas em Geografia Humana dizem-se preocupados com o impacto do encerramento de escolas na coesão territorial. "Se abrir uma escola do Ensino Básico não inverte a tendência para a desertificação, fechá-la, em determinadas circunstâncias, pode ser o suficiente para matar uma aldeia", alerta João Ferrão, investigador da Universidade de Lisboa e ex-secretário de Estado do Ordenamento do Território.
Governo e autarquias negociaram o fecho de 700 escolasGoverno e autarquias negociaram o fecho de 700 escolas (Paulo Pimenta)

Em teoria, tudo foi acautelado. Depois do encerramento de 2500 escolas com menos de 10 alunos, numa primeira fase, o Ministério da Educação (ME) e a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) acordaram que a decisão de fecho daquelas que têm menos de 21 crianças, este ano lectivo, teria de passar pelo crivo do aval das Direcções Regionais de Educação (DRE) e dos municípios, para evitar "cortes cegos".

"Na generalidade dos casos, pelo menos aparentemente, a negociação terá sido efectiva no que respeita à identificação dos estabelecimentos a fechar", admite António Ganhão, dirigente da ANMP. Há protestos pontuais, mas são mais os autarcas que se congratularam por terem conseguido manter em funcionamento escolas com menos de 20 alunos e o próprio ME anunciou que continuam a existir no país 200 estabelecimentos naquelas condições. Por outro lado, a lista de escolas a encerrar cresceu das 500 (previstas pelo ME) para as 700, porque, explicou a ministra da Educação, os próprios autarcas acrescentaram outras, cujo fecho não era exigido.

É neste contexto que os geógrafos se questionam sobre os critérios de escolha das escolas que vão encerrar. "Não terão sido apenas o do número de alunos e o do tempo de transporte, espero", preocupa-se Fernanda Cravidão, especialista em Geografia Humana da Universidade de Coimbra. E João Ferrão não considera garantia suficiente o cumprimento do acordo entre a ANMP e o Governo. "Até poderia ter algum significado se as DRE tivessem uma visão e uma capacidade de actuação estratégicas e se os municípios administrassem sempre o território com base em planos, numa perspectiva de médio e longo prazo. Mas, infelizmente, isso nem sempre se verifica," avalia.

Um mundo abandonado

A situação é especialmente grave "em territórios de baixa densidade populacional", concordam João Ferrão e Fernanda Cravidão. "Podemos sempre dizer que o encerramento da escola só acelera a morte do lugar, porque a falta de crianças se encarregaria de conduzir ao mesmo resultado em poucos anos. Mas isso só é verdade porque há muito que o Poder abandonou por completo o mundo rural", critica.

João Ferrão frisa a necessidade "de qualquer decisão deste género ser tomada no quadro de políticas multissectoriais de ordenamento do território" e de atender a casos específicos. "Nalgumas situações o desequilíbrio provocado pelo encerramento de uma escola pode ser fatal para um trabalho de anos, feito a nível local, contra a desertificação", alerta.

Fernando Ruas, presidente da ANMP, não tem resposta em relação a casos concretos, mas diz ter "a certeza" de que os municípios "agem de acordo com o que consideram ser o melhor para as populações". Mas isso não significa o mesmo para todos os autarcas.

Há quem pense que a desertificação se combate com o fortalecimento das sedes de concelho. É o caso do social-democrata Francisco Lopes, presidente da Câmara de Lamego, o município que vê fechar o maior número de escolas: 21. "Daqui a 10 anos os centros escolares que agora estamos a construir serão grandes demais - esse é o drama", enfatiza, para questionar se "o processo de extinção das comunidades rurais não acabará por ser a maneira de manter as cidades, de lhes dar dimensão, evitando que a sangria seja ainda maior".

O presidente da Associação de Municípios do Baixo Alentejo e Alentejo Litoral, Jorge Pulido Valente, não pensa o mesmo - há anos que luta "para manter vivo um território que está no limiar da ruptura por falta de população", reivindica."Como presidente de câmara de Mértola cheguei a promover o fecho de algumas escolas, mas para fortalecer localidades vizinhas rurais", explica o socialista, hoje presidente da Câmara de Beja.

domingo, 27 de junho de 2010

UN Secretary-General invites you to be a Citizen Ambassador

É um desafio engraçado, tornarmo-nos Embaixadores da Cidadania. Em todo o mundo.
Porque não tentar?... Por mim, disponho-me a fazê-lo e a ajudar quem o queira fazer também. Força!
Tantas vezes que nos interrogamos como podemos participar ativamente nas grandes questões do mundo. Esta talvez seja uma oportunidade interessante.